O
nome da coisa
Tirando aquela gente de pouca intimidade
que a chama de parceira, colega, vizinha, até minha querida, quem a ama, pelos
laços de sangue ou pelo açúcar passado sobre o muro, é essa gente que a conhece
por Das Dores.
Caio e Dodô, os filhos de Maria,
arriscam mãe ou mãezinha quando precisam de dinheiro ou de colo.
Já suas amadas maninhas, Dolores e
Socorro, enchem a boca para o mãezona de coração de ouro quando a carteira de Das
Dores dá leite à prole que a mama de paixão.
As titias também soltam o verbo quanto às
trapalhadas de cama e mesa dos pimpolhos pais de família, pois Das Dores tem
que aprender a curtir os bons conselhos de quem nasceu para irmãs do zap.
Das Dores não sai da comunidade porque
família é tudo.
Quando não se encontra o botão para
desligar-se das tristezas, das lágrimas de saudade, família é lenço à mão.
Quando a alegria é coraçãozinho à boca
querendo morder primeiro, regozije-se, porque família é espetinho na brasa.
― Eu dou conta de tudo, Jô.
Jô é Joelma, cujo nome é homenagem ao avô
que foi voluntário no incêndio do Edifício Joelma. Não é que ela tenha medo de
fogo, só não gosta de fustigar cinzas; quando preciso, ela é a primeira a se
oferecer para soprar o mertiolate em machucado de joelho.
Desnecessário dizer, por redundante, que
a amicíssima Jô sempre aparece nos momentos menos prováveis, como se fosse
movida pelo mundo por um sensor de iminentes catástrofes, bastante improváveis
a quem tem a vida pautada por coisas comezinhas, como levar criança na escola, fuxicar
e ver os tratores descendo a XV na contramão.
― Nossa, Jô! Já faz um ano que fomos à
gruta de São Sebastião.
Neste penúltimo domingo de maio, antecipando-se
à passagem dos agricultores que ocuparão a praça da Matriz para outra missa
campal, ela vai cedo ao supermercado.
Como não demora nas compras, Das Dores pode
o luxo de sentar-se à sombra de uma arvoreta.
De repente, Das Dores chora; súbito, Jô abraça
a chorona.
― Nem sei dizer o que me dá, Jô. Vivo
precisando do carinho das amigas. Sexta passada em Santos, lá estava eu no
papelão de chorar que nem criança. Para a minha sorte, um cavalheiro de terno e
gravata me adiantou o seu lenço ou eu nem acenaria direito à Dolores, Socorro e
nossa prima Dagmar que zarparam pra Búzios.
As rolinhas, neste ínterim, somem no céu
porque fuligem e barulho tomam inteirinha a Rua Direita.
Rodrigues
da Silveira
Ibiúna, dia 19 de maio de 2024.